Governo recua de Reforma Tributária e mudanças ficam para 2021

Com as dificuldades políticas do governo, agravadas pela corrosão da base de apoio parlamentar, é possível que qualquer mudança na base da cobrança de impostos fique mesmo para 2021.

Nem bem foi premiado com uma mudança no sistema previdenciário que promete deixar os pobres mais pobres – e os ricos, claro, ainda mais ricos −, os brasileiros já se veem às voltas com uma nova reforma a lhes perturbar o sono, desta vez, que deve agravar ainda mais o fosso da desigualdade no país, um dos mais vergonhosos do mundo: a Reforma Tributária.

Mas, com as dificuldades políticas do governo, agravadas pela corrosão da base de apoio parlamentar, é possível que qualquer mudança na base da cobrança de impostos fique mesmo para 2021, já que nenhuma alteração tributária pode vigorar no mesmo ano em que for aprovada.

O impasse, dessa vez, é provocado pelo próprio governo, sinalizando prioridade para a Reforma Administrativa – que mexe com as carreiras do serviço público e promete danos ainda maiores à sociedade. O ministro da Economia, Paulo Guedes, montou um grupo para elaborar uma proposta alternativa às que já são analisadas na Câmara e no Senado, que unificaria todos os projetos e teria uma tramitação mista.

A ideia é retomar a pauta da Reforma Tributária em novembro. Ou seja, com pouco tempo para aprovar uma mudança mais profunda ainda este ano. A reforma, que mexe com os impostos pagos pelas empresas e pelas pessoas físicas, é considerada pelo governo como essencial para a retomada do crescimento econômico.

As especulações em torno da recriação de uma CPMF, com alíquota uniforme para consumidores e fornecedores de mercadorias ou serviços, como forma de substituir desde impostos sobre produtos industrializados até a contribuição para financiar o INSS e o Sistema S, por ora está descartada. A reação foi muito negativa. Mas o governo ainda sonha com uma alíquota de 0,4% sobre transações financeiras (cartões, cheques, saques etc), que abarcaria impostos importantes como IPI, Cofins e lucro líquido (CSLL).

O Imposto sobre Transações Financeiras (ITF), que está em estudo pela equipe econômica, substituiria toda a gama de taxas e cobranças diversas da União, incluindo encargos para a seguridade social, simplificando a máquina de arrecadação e dificultando a sonegação.

Caixa único impacta na securidade social

A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, alerta para um problema comum das propostas de imposto único: o financiamento da seguridade social com a incorporação da Cofins e do PIS – que são contribuições – pela tributação única. “A criação de um imposto único extinguiria a Cofins e o PIS, que possuem vinculações constitucionais destinadas ao custeio da seguridade social pelo fato de serem contribuições. Na medida em que se transformam em imposto, altera-se a natureza do tributo e acaba a vinculação”, explica.

Fattorelli reforçou que os recursos recolhidos por um eventual IVA ou por uma CPMF irão todos para um caixa único, sendo destinados − se o governo quiser − ao pagamento de juros da dívida e não para o financiamento de programas de caráter social e distributivo.

Mas a avaliação do mercado é que não haverá clima para mudanças amplas ainda em 2019. O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Anfip), Charles Alcântara, é um dos principais críticos da pretensão da equipe econômica. Ele defende o que chama de Reforma Tributária Solidária (RTS), cujas oito premissas buscam basicamente tornar progressiva a tributação brasileira.

“Apesar da Constituição de 1988 prever um sistema progressivo de tributação, em que a capacidade contributiva de cada um deve ser considerada, a cobrança de impostos é, no Brasil, proporcionalmente mais elevada sobre os mais pobres. Isso se deve em razão dos impostos indiretos, sobre o consumo, que no Brasil representam mais de 51% da carga tributária bruta total. Nos países da OCDE, esse índice é inferior a 35%”, diz. “A proposta do governo aprofunda nossa distorção”.

A Anfip e outras entidades de auditores fiscais articulam que a proposta seja apresentada no Senado sob a forma de uma sugestão legislativa. “O Brasil é o paraíso fiscal dos ricos. Rico paga impostos muito aquém de sua capacidade contributiva. A carga tributária é muito forte no consumo. É isso que devemos corrigir”, defende Alcântara.

O Congresso, entretanto, tem outros planos. O deputado federal Aguinaldo Ribeiro (Progressistas/PB), relator da Comissão Especial da Câmara que analisa a Reforma Tributária, defende a criação de um tributo sobre valor agregado (o IVA) e afirma que o modelo de taxação por meio de transações financeiras “não existe no mundo”. Segundo o parlamentar, o projeto-base foi elaborado pelo economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), e protocolado pelo líder do MDB, deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

“A proposta do Baleia é a principal, a que eu vou relatar. É um texto que faz muito sentido do ponto de vista da simplificação tributária. Acho que não há outro caminho para nós que não seja um padrão tipo IVA, que não é novidade no mundo e tem sido bastante aperfeiçoado desde quando começou a ser implantado. O que a gente não tem é esse imposto único [sobre movimentação financeira], esse eu não conheço exemplo no mundo”, revelou.

A proposta, segundo o relator, unificaria três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS dos estados e o ISS municipal e seria cobrado no local de destino, ou seja, onde a mercadoria ou serviço é negociada. A expectativa é de iniciar os debates a partir da segunda quinzena de agosto, para aprovar a reforma até o final do ano − pelo princípio da anualidade, uma nova regra tributária só pode ser aplicada no ano seguinte à sua aprovação. Como se trata de uma proposta de emenda constitucional (PEC), são necessários 308 votos na Câmara e 53 no Senado, em duas votações, para que seja aprovada.

É a proposta mais forte com origem na Câmara, já que tem o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM/RJ). A questão é convencer os governadores a abrirem mão do ICMS, já que a arrecadação, pela proposta de Baleia, ficaria concentrada com a União, que repassaria a parte dos estados. Os governadores, inclusive, têm seu próprio projeto de reforma, elaborado pelo Comsefaz (Conselho dos Secretários de Fazenda) e que prevê um imposto único que não é único, mas dual, com a criação de um fundo para sanar desigualdades regionais (veja quadro).

O Senado, entretanto, trabalha com uma terceira hipótese. Apoiada por líderes dos partidos da base do governo, a proposta se baseia em texto do ex-deputado tucano Luiz Carlos Hauly, que extingue nada menos que nove impostos (IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, salário-educação, Cide, ICMS e ISS) para criar dois impostos: um sobre valor agregado, de competência estadual, e outro sobre determinados bens e serviços, a cargo da União.

Principais propostas em tramitação

Câmara

PEC do líder Baleia Rossi (MDB-SP), patrocinada por Rodrigo Maia.

Preparada pelo economista Bernardo Appy, acaba com três tributos federais − IPI, PIS e Cofins. Extingue o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. Todos eles incidem sobre o consumo. Ela cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência de municípios, estados e União, além de um outro imposto, sobre bens e serviços específicos, esse de competência apenas federal.

Senado

Reforma do ex-deputado Luis Carlos Hauly preparada pela Câmara.

Extinção do IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e o ISS. No lugar deles seria criado um imposto sobre o valor agregado de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal.

 Equipe Paulo Guedes

Troca de até cinco tributos federais (PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a CSLL) por uma única cobrança, o Imposto sobre Transações Financeiras. A proposta também vai acabar com a contribuição ao INSS que as empresas pagam atualmente sobre a folha de pagamentos. Em substituição, duas opções estão à mesa: a criação de um imposto sobre todos os meios de pagamento ou um aumento adicional na alíquota do imposto único.  Em outra frente, o governo prepara mudanças no IR de empresas e pessoas físicas.

 Instituto Brasil 200

Cria o Imposto Único que substitui todos os tributos, inclusive IPTU e IPVA. Poderão ser discutidas demandas setoriais como exportações e Zona Franca de Manaus. A alíquota prevista é de 2,5% sobre qualquer movimentação financeira de cota corrente para conta corrente. Se a pessoa transfere R$ 100 é tributada em R$ 2,50 e quem recebe é tributado também em R$2,50.

Estados

Preparada pelo Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz),  a proposta retira da União a gestão do tributo único criado com a reforma. Além disso, prevê que, caso o governo consiga emplacar um imposto unificado apenas federal, os estados encaminhem uma proposta alternativa ao Legislativo, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Dual. A proposta prevê mecanismos de compensação de perdas e de redução de desequilíbrios regionais, com a criação de um fundo.

Anfip/Oposição

Estabelece isenção do Imposto de Renda para quem ganha até quatro salários mínimos (cerca de R$ 4 mil), reduzindo a tributação para quem ganha entre quatro e 15 mínimos, mantendo-a estável para quem ganha entre 15 a 40 salários mínimos e elevando-se apenas para quem ganha acima disso. Também taxa progressivamente produtos nocivos à saúde e estabelece parâmetros para taxar heranças e grandes fortunas, entre outras medidas.

 

Fonte: Extra Classe