Impacto da desoneração da folha varia dentro de um mesmo setor

Camilla Veras Mota

A desoneração da folha de pagamentos, promovida em etapas pelo governo federal desde dezembro de 2011, tem sido sentida de maneira diferente dentro dos mais de 40 setores beneficiados. Tamanho do faturamento, maior ou menor automatização e volume de mão de obra terceirizada explicam o impacto distinto que a mudança de regime provoca entre as empresas de um mesmo setor. A desoneração substitui a contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamentos pela arrecadação de 1% ou 2% sobre o faturamento bruto e corresponderá, em 2013, a uma renúncia fiscal de R$ 12,83 bilhões.

Os setores de varejo e construção, que entram no novo regime no próximo dia 1º, estão divididos e gostariam que a adesão fosse facultativa, possibilidade até agora negada pelo governo. Nas indústrias de vidro e de plásticos, a divisão é entre grandes e pequenas empresas. Nos setores da primeira leva de desoneração – como calçados e confecções – os efeitos da medida agora são mais claros na exportação e no emprego.

Os fabricantes de vidro, que estão entre os 25 setores incluídos na lista de desoneração em setembro de 2012, com vigência a partir de janeiro, sentiram efeitos diferentes. Para os produtores de vidro comum, usado na construção civil e em eletrodomésticos da linha branca, o impacto foi “zero”, diz Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira da Indústria de Vidro (Abividros).

Essas empresas, segundo Belmonte, têm capital intensivo, são bastante automatizadas e, por isso, não têm uma folha de pagamentos “pesada”. Já companhias que usam mais mão de obra, como as que produzem insumos para o setor de cosméticos e farmacêutico, sentiram “grande impacto”, ainda não medido quantitativamente pela associação. “Algumas empresas já disseram que farão uma economia de oito dígitos”, afirma Belmonte.

Os membros da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) também estão divididos. Jurandi Machado, diretor de mercado interno, diz que a medida beneficiou as empresas maiores, com folha de pagamento mais onerosa, e que, por isso, ela não estimulou a competitividade no setor.

As entidades representativas do setor de tecnologia da informação, um dos primeiros a entrar no projeto de desoneração, têm avaliações discrepantes sobre a medida. A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), que tem entre os associados a Google e a Cisco, defende que a medida continua “sendo muito positiva” e afirma que 70% dos custos do setor são de mão de obra. Por outro lado, o Seprosp, sindicato que reúne microempresas de processamento de dados do Estado de São Paulo, afirma que “boa parte” das companhias que representa, com poucos funcionários e faturamento alto, perdeu com a contribuição de 2% sobre receita.

Luigi Nese, presidente do Seprosp, diz que a organização recorreu à Justiça no ano passado, pedindo que a mudança fosse opcional, mas não foi concedida liminar e a ação não teve ainda o mérito julgado. Segundo Nese, a alteração é neutra para as empresas com folha de pagamentos equivalente a 10% do faturamento. Para quem tem despesa menor com salários, a carga tributária aumenta.

No comércio varejista, que começa a operar sob o regime de desoneração a partir de abril, também não há unanimidade sobre o assunto. A FecomercioSP pede uma emenda à medida provisória, para que a adesão ao pagamento da alíquota sobre o faturamento seja facultativa. Já o Instituto para o Desenvolvimento do Comércio (IDV), que reúne os maiores grupos do setor, sustenta que a contribuição de 1% sobre a receita atenderia a quase todo o segmento.

Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente do conselho de assuntos sindicais da FecomercioSP, afirma que 83% dos 1,3 milhão de varejistas do país são microempresas, ou empresas de pequeno porte, e que elas empregam cerca de 60% do total de 7,3 milhões de trabalhadores do setor. Essas companhias têm até 19 empregados e tendem a ter folha correspondente a menos de 5% do faturamento bruto – percentual considerado “ponto de equilíbrio” entre os dois regimes de arrecadação tributária. Nesse caso, continua, elas perdem com a nova cobrança. “Não somos contra a desoneração, mas queremos uma solução que beneficie todo o segmento”, diz Dall’Acqua.

As distorções têm se mostrado menores entre os setores que usam mão de obra de forma mais intensiva. Para o segmento de cerâmica vermelha, bastante pulverizado e pouco afetado pela concorrência externa, a desoneração tem sido vista como “extremamente positiva” e tem tido um efeito colateral benéfico para algumas empresas. César Gonçalves, recém-eleito presidente da entidade, diz que a mudança do regime de cobrança tem estimulado pequenas empresas a produzir mais. Enquadradas no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples), essas companhias já estavam sujeitas a um regime tributário que incidia sobre a receita bruta e “evitavam crescer” para não elevar custos.

Para o setor de transporte rodoviário coletivo, a medida representa, em média, uma economia de 3%, de acordo com Marcos Bicalho, diretor administrativo e institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A folha de pagamento representa 40% dos custos das empresas, segundo a entidade.

A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) calcula que a medida de desoneração da folha de pagamentos beneficiou 85% das empresas e teve o efeito de uma redução de 5,2 pontos percentuais na alíquota usada como parâmetro para a cobrança do tributo anteriormente, de 20% sobre a folha de pagamento. “É como se o setor pagasse agora 14,8% sobre a folha”, afirma José Ricardo Roriz Coelho, presidente da entidade. O ganho líquido, diz, foi de R$ 250 milhões.

Uma consequência direta da medida, segundo Roriz, foi o número menor de demissões no fim do ano passado, em comparação com o mesmo período de 2011. O setor de plástico é o terceiro maior empregador da indústria, com 12,5 mil postos. “Se a medida fosse perenizada, as empresas com produção terceirizada teriam grande estímulo para contratar.”

Flávio Castelo Branco, gerente-executivo da unidade de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acredita que a percepção destoante entre empresas do mesmo setor em relação à medida deve diminuir com o tempo, já que as companhias serão estimuladas a adaptar seus respectivos modelos de gestão para aproveitar os benefícios da desoneração. Para que isso aconteça, a CNI defende que a medida tenha validade além da data prevista, que é dezembro de 2014.

Um ano depois, dois segmentos colhem resultados positivos

Por Camilla Veras Mota e Marta Watanabe

Os setores calçadista e de vestuário, os primeiros segmentos da indústria submetidos à desoneração da folha de pagamento, começaram a colher resultados positivos em 2013. No primeiro bimestre deste ano eles ampliaram produção, contratações e exportações, No setor externo, especialmente, o desempenho é superior à média da indústria.

O saldo de vagas formais criadas pela indústria têxtil e de confecção nos meses de janeiro e fevereiro deste ano foi quase 160% maior do que o registrado no mesmo período de 2012, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Na mesma comparação, os fabricantes de calçados abriram 29% mais empregos.

Os dados de janeiro da Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na comparação com igual mês do ano passado, mostram avanço para os segmentos de confecção e calçados, que reverteram assim a queda registrada no primeiro mês de 2012.

Os resultados mais expressivos, porém, vêm das exportações. Os setores tiveram resultados positivos no primeiro bimestre, enquanto praticamente todas as outras categorias de manufaturados, que ensaiavam uma recuperação no último trimestre de 2012, apresentaram queda nas vendas. Na comparação com janeiro e fevereiro de 2012, em volume, as exportações das indústrias de confecção e de calçados cresceram 10,1% e 11,4%, respectivamente, andando na contramão do total das exportações, que recuou 6,4%, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). As exportações são excluídas do cálculo de faturamento bruto usado como medida para a cobrança do imposto que substituiu a folha de pagamento e, por isso, não são tributadas pelo novo regime.

Os dados da Funcex mostram que os setores de confecções e têxtil diminuíram os preços de venda para o mercado internacional como uma estratégia para ganhar mercado. Enquanto na média as exportações brasileiras ficaram 1,1% mais baratas, em confecções, o recuo foi de 6,4%, e no setor têxtil o preço médio de venda ficou 2,9% menor no primeiro bimestre deste ano em relação ao início de 2012.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit) contabiliza que a desoneração devolveu ao setor R$ 920 milhões, 0,9% de sua receita global. Aguinaldo Diniz, presidente da entidade, reitera que a intensidade do impacto tem uma variação grande dentro do setor, mas afirma que, “de forma geral, houve ganho representativo”. “Não resolve de o problema, mas ajuda”, diz.

Depois de um 2012 complicado, em que a indústria de confecção somou perdas na produção de 10,46%, e a têxtil, de 4,2%, o setor tem perspectivas de crescimento melhores neste ano. O avanço na produção de vestuário foi avaliada como bom sinal. Como o segmento está na ponta da cadeira produtiva, avalia Diniz, ele deve estimular os fabricantes de tecidos, que tiveram resultado negativo na última pesquisa de produção, a fabricar mais nos próximos meses.

Heitor Klein, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), julga que o principal efeito da medida de desoneração se deu no repasse dos ganhos para os preços praticados no mercado externo. A Abicalçados calcula que o preço médio de exportação do calçado brasileiro caiu 15,7% em 2012 em relação ao ano anterior, de US$ 11,47 para US$ 9,65.

O repasse, continua Klein, é uma tentativa de recuperar o terreno perdido para a concorrência asiática, que tem crescido inclusive no mercado interno. Por isso, a entidade mantém o prognóstico pessimista para 2013. “O apoio foi importante para manter o setor estável”, defende. “Mas não foi suficiente para restabelecer a performance dos anos anteriores”, completa. Entre 2004 e 2009, a média em valor das exportações de calçados brasileiros variava entre US$ 1,8 bilhão e US$ 1,9 bilhão. Em 2011, o montante caiu para US$ 1,29 bilhão e, no ano passado, chegou a US$ 1,09 bilhão. Parte desse recuo está associado, contudo, as barreiras impostas pela Argentina.

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Construção civil quer fazer mudanças no novo regime

Por Edna Simão e Camilla Veras Mota | De Brasília e São Paulo

O setor da construção civil negocia com o governo federal a regulamentação da desoneração da folha de pagamento para impedir que algumas atividades sejam oneradas com a medida que tem como objetivo reduzir os custos trabalhistas e dar mais competitividade à economia. A partir de abril, o segmento troca a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento pela alíquota de 2% sobre o faturamento.

A medida da desoneração divide o setor. A Câmara Brasileira da Construção Civil (CBIC) é a principal interlocutora do governo, mas outras entidades, como o Sindicato da Construção do Estado de São Paulo (SindusCon), reivindicam que a medida seja facultativa ou que o regime de desoneração atual seja substituído por outro que, em vez de arrecadar um percentual da receita bruta, reduza a alíquota cobrada originalmente pelo encargo previdenciário, que era de 20%.

Da forma como está a medida ela onera parte do setor, especialmente àquelas empresas cujo modelo de negócios envolve a subcontratação de outras empresas para serviços específicos dentro de uma obra, como os serviços de eletricidade, explica Sérgio Watanabe, presidente da SindusCon-SP. Ele argumenta que o setor é bastante horizontal, formado por empresas especializadas em cada uma das etapas da construção, e que, por isso, muitas companhias serão na verdade “oneradas” com a medida, que ficará vigente até dezembro de 2014.

Na semana passada, representantes da CBIC se reuniram com os secretários de Política Econômica, Márcio Holland, e da Receita Federal do Brasil, Carlos Alberto Barreto, para apresentar alguns pleitos. Uma das principais preocupações do setor é resolver na regulamentação situações em que a empresa possa ser tributada duas vezes.

Primeiro, segundo uma fonte do setor, o governo precisa considerar na definição da cobrança sobre o faturamento o estágio da obra. Segundo, o setor pede que a regulamentação possibilite o abatimento do valor desembolsado pela subcontratada.

Também está sendo negociada uma forma de empresas incorporadoras que também atuam na área da construção possam ser beneficiadas pela desoneração da folha. Segundo uma fonte da construção civil, isso será possível com a regulamentação. Atualmente, as incorporadoras não são atendidas com a desoneração da folha de pagamento. Por enquanto, a área econômica ainda não se posicionou sobre esses pedidos.

A avaliação de fontes do setor da construção é que, na forma como está prevista, a medida de estímulo do governo vai desonerar as construtoras com uma grande folha de pagamentos – minoria no setor segundo o Sinduscon-SP – e onerar aquelas que operam com folha reduzida por contratarem empresas especializadas para executar fundações, instalações hidráulicas e outros serviços nas obras.

Além desses pleitos, o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) está aproveitando as negociações para entrar na lista dos desonerados. Segundo uma fonte do setor, ao serem refeitas as contas, o segmento entendeu que a desoneração da folha pode ser atrativa financeiramente.

A desoneração da folha de pagamentos beneficia a construção de edifícios, instalações elétricas, hidráulicas e outras instalações em construção, obras de acabamento; e outros serviços especializados. Ou seja, não entra a chamada construção pesada (infraestrutura, incorporadoras).

Benefícios fiscais serão discutidos hoje na OMC

Por Assis Moreira | De Genebra

As desonerações fiscais bilionárias anunciadas pelo governo Dilma Rousseff serão debatidas hoje em reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), com parceiros comerciais do Brasil reclamando de discriminação contra produtores estrangeiros e elevando a pressão sobre Brasília.

União Europeia (UE), Estados Unidos e Japão vão questionar o Brasil sobre as condições para obtenção de redução de impostos indiretos para vários setores da economia, durante a reunião periódica do Comitê de Mercadorias da OMC.

O principal alvo é o programa Inovar-Auto, que prevê uma série de investimentos mínimos em produção local e desenvolvimento de tecnologia para as montadoras que quiserem ficar isentas de uma alíquota maior de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Para parceiros industrializados, a exigência de conteúdo local para obter o benefício representa uma discriminação contra o produtor estrangeiro, o que poderia violar regras da OMC. Dessa vez, porém, os europeus, sobretudo, vão além do Inovar-Auto e questionam o conjunto das desonerações para os vários setores da economia, incluindo programas de infraestrutura em telecomunicações. Os parceiros afirmam não compreender a natureza de alterações de programas de muitos anos, incluídos por exemplo no Brasil Maior, e a implementação de outros.

A UE resolveu levar a questão a um comitê da OMC depois de reuniões com os ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores, onde a única coisa que ficou clara é que “nada é claro” sobre as desonerações, conforme uma fonte.

O governo brasileiro insiste na tese de que o país adotou medidas compatíveis com os acordos comerciais internacionais. Lembra que a exigência de conteúdo local vem sendo atacada por países industrializados desde o ano passado, sem que nenhum país tenha até agora decidido abrir disputa contra o Brasil na OMC.

O plano de europeus e japoneses é, depois do questionamento na OMC, realizar discussões bilaterais com Brasília e, mais tarde, decidir se uma denúncia será levada à OMC. Se as discussões com o Brasil sobre taxação indireta na importação de carros fracassarem, o Japão pode acionar os juízes da OMC, confirmou uma fonte japonesa.

A pressão na OMC dessa vez vai passar também para o setor agrícola. Os EUA vão questionar o Brasil amanhã no Comitê de Agricultura sobre programas domésticos de apoio a agricultores. Normalmente, é o Brasil que está do outro lado, procurando saber sobre subsídios dados por parceiros.

Os movimentos de parceiros antecedem o exame da política comercial brasileira prevista para junho na OMC. Não só a politica comercial, mas também – e cada vez mais – a política econômica é examinada de uma forma geral, nos debates com os países-membros, tendo como base um relatório dos economistas da OMC.

Fonte: Valor Econômico

Via: http://www.robertodiasduarte.com.br/index.php/impacto-da-desoneracao-da-folha-varia-dentro-de-um-mesmo-setor/