Receita Federal tributa dividendos
Imagine uma loteria em que você faz sua aposta após o sorteio dos números. Melhor: você pode fazer a aposta em até cinco anos desde o resultado do sorteio. Quer mais? Como você já poderia ter feito a aposta no dia seguinte ao do sorteio dos números, quando efetivamente ocorrer a aposta, o prêmio será pago com multa e correção monetária pela taxa básica de juros.
Essa loteria existe, mas só quem participa dela é a administração tributária, de qualquer nível – federal, estadual ou municipal. Este texto vai se restringir à Secretaria da Receita Federal do Brasil, que acaba de fazer sua aposta no que diz respeito aos dividendos pagos pelas empresas brasileiras.
Com a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS), desde 2008 vigora o Regime Tributário de Transição (RTT), que estabelece a neutralidade tributária das novas normas contábeis. Com isso, para efeito de apuração dos tributos sobre o lucro – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) -, deve-se tomar por base as normas contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Partindo do princípio de que o conceito de dividendos é dado pela legislação societária (Código Civil e Lei das Sociedades por Ações), e que existe esse e somente esse conceito no ordenamento jurídico brasileiro, as empresas, os seus sócios (quotistas e acionistas) e investidores esperavam que a regra tributária da isenção dos dividendos permaneceria sendo aplicada, haja vista que não houve qualquer revogação ou alteração expressa na respectiva lei.
Pois seis anos depois, agora em 2013, a Receita Federal manifesta-se dizendo que a história não é bem assim. Dividendo bom, e, portanto, isento, é aquele decorrente de lucro submetido à tributação. Se não houve incidência de qualquer tributo, o dividendo, quando recebido, deverá ser submetido ao imposto sobre a renda e, se o caso, à CSLL.
Teoricamente, o cálculo da parcela isenta dos dividendos é fácil: devem ser elaboradas duas contabilidades, uma para fins societários, com base no padrão contábil internacional (IFRS), e outra para fins tributários, considerando a lei contábil em vigor em 31 de dezembro de 2007. Assim, a empresa apurará dois lucros, o societário e o “fiscal”, respectivamente. A isenção dos dividendos restará limitada ao montante do “lucro fiscal”.
Em que lei está escrito isso? Em nenhuma lei, mas em uma instrução normativa, que é fruto de interpretação da Receita, e, dessa forma, norma complementar, inferior à lei.
E qual a alíquota aplicável para o cálculo desse tributo sobre dividendos? Como não há lei tratando do assunto, é preciso que se faça uma construção interpretativa, que conduz à seguinte conclusão: no caso de o beneficiário ser pessoa física, aplica-se a tabela progressiva; no caso de o beneficiário ser pessoa jurídica, a parcela de excesso de dividendos deve ser incluída na sua base de cálculo referente ao IRPJ e à CSLL, implicando a tributação de 34%; em sendo o beneficiário não residente (estrangeiro), haverá retenção na fonte à alíquota de 15% ou 25% (localização em paraíso fiscal).
Muito bem, se o “lucro fiscal’ for superior ao lucro societário, aquele lucro poderá ser integralmente distribuído como dividendos isentos, certo? Errado: a distribuição de lucros é limitada pela lei societária, que permite dividendos até o montante do resultado apurado pela empresa. Portanto, os dividendos, em si, estão limitados ao lucro societário.
Note-se que a tributação de dividendos estabelecida pela Receita, além de ser ilegal, aumenta a confusão do já complexo sistema tributário nacional.
Fonte: Valor Econômico.
Via: Notícias Fiscais