Prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal federal

A tarefa deste escrito é trazer o assunto para a comunidade jurídico-tributária a fim de se repensar a Súmula CARF 11, a qual diz que “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”.

A partir da Portaria MF 277/2018, a aludida Súmula se tornou vinculante, significando que toda a Administração Pública Federal a cumpra rigorosamente.

Para este repensar, traz-se duas perspectivas.

A primeira, advinda do artigo 151, III do CTN, o qual determina que reclamações e recursos administrativos suspendem a exigibilidade do crédito tributário, logo, pendendo julgamentos em tais situações, não há se falar em contagem de prazo prescricional, corroborado pela Súmula 153 do então Tribunal Federal de Recursos

A segunda, subdividida em 2 (dois) argumentos. O primeiro, já mais debatido pela comunidade, em razão dos princípios constitucionais da eficiência, segurança jurídica, moralidade, duração razoável do processo; dos princípios da oficialidade (artigo 2º do CPC/2015) e da razoabilidade (artigo 2º da Lei 9.874/99 aplicável subsidiariamente ao processo administrativo fiscal federal); do caput do artigo 173 e seu parágrafo único, do CTN, e o segundo, pelo que dispõe o artigo 24 da Lei 11.457/2007 e o Recurso Especial representativo de controvérsia n° 1.138.206/RS.

Tendo em vista que o primeiro argumento desta segunda perspectiva, como comentado, possui bastante debate da comunidade jurídica, dar-se-á ênfase ao “segundo bloco” de argumentos.

A Lei 11.457/2007 dispõe sobre a Administração Tributária Federal, e em seu artigo 24, determina:

Art. 24.  É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

Por sua vez, o Recurso Especial representativo de controvérsia (popularmente chamado de recurso repetitivo) n° 1.138.206/RS (DJe 01/09/2010), traz em sua ementa:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

  1. A duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis:

“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

  1. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. (…)
  1. O processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo Decreto 70.235/72 – Lei do Processo Administrativo Fiscal -, o que afasta a aplicação da Lei 9.784/99, ainda que ausente, na lei específica, mandamento legal relativo à fixação de prazo razoável para a análise e decisão das petições, defesas e recursos administrativos do contribuinte.
  2. Ad argumentandum tantum, dadas as peculiaridades da seara fiscal, quiçá fosse possível a aplicação analógica em matéria tributária, caberia incidir à espécie o próprio Decreto 70.235/72, cujo art. 7º, § 2º, mais se aproxima do thema judicandum, in verbis:

“Art. 7º (…).

  1. A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, e seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo dos pedidos, litteris:

“Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.”

  1. Deveras, ostentando o referido dispositivo legal natureza processual fiscal, há de ser aplicado imediatamente aos pedidos, defesas ou recursos administrativos pendentes.
  2. Destarte, tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos (art. 24 da Lei 11.457/07).
  3. (…).
  4. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a obediência ao prazo de 360 dias para conclusão do procedimento sub judice.

Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

Já no tocante ao Regimento Interno do CARF, o seu artigo 74, § 4° permite revogação de suas Súmulas, nas seguintes hipóteses:

Art. 74. O enunciado de súmula poderá ser revisto ou cancelado por proposta do Presidente do CARF, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, do Secretário da Receita Federal do Brasil ou de Presidente de Confederação representativa de categoria econômica habilitada à indicação de conselheiros.

§4° Se houver superveniência de decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei no 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei no 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, que contrarie súmula do CARF, esta súmula será revogada por ato do presidente do CARF, sem a necessidade de observância do rito de que tratam os §§ 1o a 3o. (Redação dada pela Portaria MF no 152, de 2016)

Como se viu acima, o REsp. 1.138.206/RS se deu em sede de recurso representativo de controvérsia (recurso repetitivo), o que enseja, ao menos em tese, a revogação da Súmula CARF 11.

E esta revogação poderia dar azo a um novo entendimento jurisprudencial, como poder exemplo, ultrapassando-se o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias sem uma resposta da Administração Pública Federal, começaria-se a contagem do prazo de prescrição intercorrente.

Enfim, esta a chamada de atenção para o tema, sabendo-se, bastante polêmico e com muito fôlego para discussões, as quais, espera-se que por meio deste conciso escrito, possa-se atingir este desiderato.

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Súmula 153/TRF: “Constituído, no quinquênio, através de auto de infração ou notificação de lançamento, o crédito tributário, não há falar em decadência, fluindo, a partir daí, em princípio, o prazo prescricional, que, todavia, fica suspenso, até que sejam decididos os recursos administrativos”.

Fonte: JOTA