STF: impossibilidade de ampliação da responsabilidade tributária de terceiros
Embora as hipóteses de responsabilização tributária estejam previstas no Código Tributário Nacional (CTN) de forma taxativa, não é incomum que pessoas que não o sujeito passivo da obrigação tributária (terceiros) sejam surpreendidos com a cobrança de débitos com os quais não têm qualquer relação direta ou interesse.
Recentemente, ao analisar a questão no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.845, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que leis ordinárias dos entes tributantes não podem responsabilizar terceiros de forma diversa da matriz disciplinada pelo CTN.
No caso, foi julgada a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 18-C da Lei 7.098/1998, do Estado do Mato Grosso, acrescentado pela Lei 9.226/2009, que estabelecia hipótese de responsabilidade strictu sensu (por transferência), ao atribuir responsabilidade tributária solidária a toda pessoa que concorresse ou intervisse, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, como contadores responsáveis pela escrituração fiscal e/ou contábil do contribuinte, administradores, advogados, economistas, correspondentes fiscais e prepostos. Confira-se a redação do dispositivo:
“Art. 18-C. Responde solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, o profissional de Contabilidade, responsável pela escrituração fiscal e/ou contábil do contribuinte, no que pertine a prestação de informações com omissão ou falsidade. (Acrescentado pela Lei 7.867/02)
Parágrafo único. Respondem, também, solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, no que se refere à prestação de informações com omissão ou falsidade, o administrador, o advogado, o economista, o correspondente fiscal, o preposto, bem como toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da referida obrigação. (Acrescentado pela Lei 9.226/09)”.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autor da ADI, alegou que a lei do Estado do Mato Grosso criava obrigação tributária não prevista na legislação complementar, violava a competência privativa da União Federal e não deixava claro quais seriam as condutas que implicariam a vinculação das pessoas elencadas na norma ao fato gerador da obrigação tributária – o que acabaria por ferir os princípios constitucionais do livre exercício profissional e da inviabilidade do advogado pelos atos praticados no exercício de sua profissão.
No julgamento da ADI, o Plenário do STF, sob a relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso, entendeu que o dispositivo legal estadual seria inconstitucional por (i) invadir a competência do legislador complementar federal, em violação ao artigo 146, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal, ao ampliar as hipóteses de responsabilidade tributária previstas nos artigos 134 e 135 do CTN[1]; e (ii) ampliar o rol de pessoas que podem ser pessoalmente responsabilizadas pelo crédito tributário.
Isso porque, embora o legislador estadual tenha competência concorrente com a União Federal para tratar de matéria tributária (artigo 24, inciso I da Constituição Federal), cabe à lei federal veicular as normas gerais e à lei estadual as normas especiais em Direito Tributário. Considerando que a normais gerais que versam sobre obrigação tributária são reservadas à União Federal pelo artigo 146 da Constituição Federal, não seria possível que uma lei estadual estabelecesse regramento conflitante com as normas gerais federais do CTN.
Em decorrência do entendimento firmado, foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional”.
Na ocasião, o STF reafirmou o seu entendimento quanto à inconstitucionalidade de leis ordinárias que alteram as hipóteses de responsabilização do CTN, já proferido anteriormente também em sede de repercussão geral no RE 562.276 (tese 13). Neste precedente, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade material e formal do art. 13 da Lei 8.620/1993 por ter (i) criado hipótese de responsabilização não prevista no art. 135 do CTN; e (ii) estabelecido confusão entre os patrimônios da pessoa jurídica e da pessoa física.
Vale ressaltar que, no mesmo sentido que o STF, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já entendeu que o legislador ordinário não pode impor solidariedade a administradores sem observar os requisitos taxativos do art. 135 do CTN (REsp 717.717).
Nunca é demais lembrar que, tratando-se de responsabilidade tributária de terceiros em situações lícitas (artigo 134 do CTN), a responsabilização pela obrigação principal e pelas penalidades de caráter moratório depende da comprovação da (i) impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte; (ii) prática de algum ato ou omissão que tenha levado à ocorrência do débito ou à impossibilidade de sua exigência do sujeito passivo originário; e (iii) vinculação direta ao fato jurídico tributário – não basta que o terceiro seja alguém elencado no artigo 134 do CTN.
No caso da responsabilização de terceiros por atos ilícitos (artigo 135 do CTN), é imprescindível para a responsabilidade pessoal pelo crédito tributário (i) a prática de ato com excesso de poderes, infração de lei contrato social ou estatutos; (ii) o surgimento da obrigação tributária decorrente do ilícito e; (iii) a vinculação entre o ato ilícito e a obrigação tributária.
O precedente firmado é extremamente importante para o Direito Tributário, tendo em vista que são recorrentes as situações em que as unidades federativas ampliam indevidamente as hipóteses de responsabilização tributária de terceiros, alterando a matriz estabelecida no CTN ou ampliando o rol de pessoas que podem ser responsabilizadas.
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[1] Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Fonte: JOTA